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sexta-feira, 12 de julho de 2013

CURIOSIDADE- QUASE APOSTOLOS

Suspiro cada vez que leio alguma notícia ou texto assinado por alguém que se intitula “apóstolo”. Mais um monstrinho no bestiário evangélico contemporâneo. Daí que resolvi deixar esta pequena reflexão para compartilhar alguns critérios que podem ser úteis para pensar um pouco sobre a seriedade das nomenclaturas que usamos.
Tudo começa pela discussão da etimologia da palavra apóstolos (απόστολος). É uma palavra grega que significa “enviado, mensageiro, embaixador”, utilizada por Jesus para designar os discípulos (Lc 6.13-14) que foram enviados para as missões. Assim, o apóstolo seria alguém com autoridade espiritual concedida por Jesus para pregar a Sua palavra. Alguns textos bíblicos nos dão a entender que diversos outros foram considerados apóstolos além dos 12 discípulos mais próximos do Senhor: Tiago (Gl 1.19), Andrônico e Júnias (Rm 16.7) e Barnabé (At 14.12-14).
Bem, baseado nestas informações, alguns afirmam que poderíamos ter apóstolos em todos os tempos, porque continuamos tendo homens com autoridade espiritual enviados por Jesus para pregar o Evangelho. Podemos resumir a encrenca apenas nesse ponto?
O problema é que há outros critérios vinculados a essa missão que precisam ser levados em conta. É preciso historicizar o termo. A pregação das boas novas da igreja primitiva estava vinculada a um anúncio fresquinho, baseado em diversas testemunhas oculares: Cristo ressuscitou! Esta era a grande pregação da igreja nas primeiras décadas. Qual a função do apóstolo naquele contexto? Era a da testemunha ocular, quem afirmava a quem quisesse ouvir: “eu vi o homem vivo depois da cruz”.
Ser uma testemunha, ou seja, ter visto o Cristo ressuscitado em carne foi o critério exigido pelos onze quando escolheram o 12º guerreiro a compor sua távola redonda:“é necessário que escolhamos um dos homens que estiveram conosco durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, desde o batismo de João até o dia em que Jesus foi elevado entre nós às alturas. É preciso que um deles seja conosco testemunha de sua ressurreição“ (At 1.21-22).
Apóstolo, portanto, no seu sentido pleno, foi alguém enviado por Cristo para testemunhar Sua ressurreição, confirmando que Suas palavras eram verdadeiras. Para comprovar este critério, basta verificar qual o argumento utilizado por Paulo na luta contra opositores quando defendia seu apostolado: “Não sou livre? Não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso Senhor? Não são vocês resultado do meu trabalho no Senhor?” (1Co 9.1). Mais adiante, vincula sua autoridade justamente ao fato do Ressuscitado ter aparecido para ele depois do tempo devido: “Depois [Jesus] apareceu a Tiago e, então a todos os apóstolos; depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo.” (1Co 13.7-8). Paulo tinha constantemente que defender sua posição: também vi o Senhor vivo, sou apóstolo – mas depois dos outros.
A igreja fundamenta sua fé na autoridade e testemunho dos apóstolos que tiveram, de alguma maneira, um contato direto com o Senhor. É o que se fala, por exemplo, ao final do evangelho de João: “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e que as registrou. Sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (Jo 21.24).
Bem, em resumo, temos que ter dois critérios para que consideremos alguém apóstolo:
1) ter autoridade espiritual concedida por Cristo para ser Sua testemunha; 
2) ter visto Jesus ressuscitado em carne. 
O primeiro critério, não duvido que muitos o tenham em nossos dias; mas para o segundo é necessária uma experiência histórica ou uma epifania muito, mas muito, mas muito especial. Os atuais “apóstolos” viram o Senhor em carne e podem testemunhar de sua ressurreição? Não creio. (Embora não duvide que algum deles ouse fazer tal afirmação…)
Pra terminar esta reflexão, fica uma pergunta final: por que esse pessoal resolveu utilizar o termo agora, tantos séculos depois? Só vejo uma razão: estabelecer poder sobre as pessoas. O título de pastor é pouco; bispo já melhora, mas ainda não comporta um ego superlativo. Agora, apóstolo, sim. Esse manda, ouve o sussurro do Santo. Tal título pairando acima dos outros mostra claramente com quem você está falando. É uma espécie de carteiraço espiritual.
Só que eles nada mais são do que quase apóstolos. Por um detalhe de 2000 anos.

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