O dia foi cansativo. Multidões de enfermos e endemoninhados curados. De manhã, até à noite, Jesus e os discípulos pouco haviam comido ou repousado. Encerram os trabalhos e entram em um barco em direção a outra margem do lago da Galiléia. Nas cercanias do lago, também chamado de Tiberíades ou Genezaré, havia muitas cidades: Gadara, Cafarnaum, Betsaida... Para onde quer que fossem, ao desembarcarem nas margens do lago, havia pessoas esperando por eles.
Jesus exausto não resiste e dorme tão logo recosta a cabeça em uma almofada na popa do barco. Os discípulos conversam sobre as maravilhas que viram. Era tarde da noite, estavam no meio do lago, em lugar profundo quando se levanta um temporal de vento “E subiam as ondas por cima do barco, de maneira que já se enchia, havia também com ele outros barquinhos” Mc 4:35, 36.
Certamente, todos os outros barcos que navegavam na Galiléia, foram atingidos pela adversidade. Não sabemos de que forma reagiram. Mas no barco de Jesus, houve desespero. Alvoroçados, acordam o Mestre: “Não se te dá que pereçamos?” Mc 4:38. Jesus dormia na popa. A popa é a secção traseira dos barcos e por razões funcionais, é onde se localiza o aparelho de manobra do leme ou da roda de leme. Jesus dormia, mas era o capitão por ali. O barco estava a seus cuidados e direção. Os discípulos ainda não haviam entendido isso. Precisaram ser corrigidos: “Por que sois tão tímidos”? Ainda não tendes fé? Mc 4:40.
Nenhuma adversidade pode ser maior que o poder de Jesus. Aquele barco, jamais iria a pique. Ele precisava chegar à outra margem. Um lugar em que a experiência com Deus, testemunharia para outras vidas. Quantos barquinhos estavam por ali naquela noite? Não se sabe. Mas os que estavam estancados nas margens não sofreram tanto. Se quisermos crescer em graça e conhecimento, é necessário “pegar um barco para outra margem”. Nesse ínterim, vai haver dor, sofrimento. Mas uma coisa é certa; Jesus estará na popa. Dormindo tranquilamente, não só porque confiamos nEle, mas porque Ele confia em nós. Já nos deu Sua palavra e tudo que temos que fazer é colocá-la em prática.
Para outra Margem
Quando Deus aporta em um coração quebrantado e sedento por servi-Lo, tem inicio um processo de busca e comunhão que não deve ser rompido, ainda que soprem ventos e fortes ondas. Haverá o tempo da colheita: “E o vento se aquietou e houve grande bonança” Mc 4:39.
José foi jogado em um “barco” como mercadoria a deriva. Vendido como escravo, caluniado e preso, chega ao posto de governador do Egito e senhor de seus irmãos. No lugar profundo, bem no meio das águas ele vivenciou a ventania, mas não desistiu: “E disse Faraó a seus servos: Acharíamos um homem como este em quem haja o Espírito de Deus”? Gn 41:38. José não guardou mágoa, rancor ou revolta contra Deus e o mundo. Ele prosseguiu acreditando que “Jesus dormia na popa do barco” e acordaria na hora certa. E o que dizer de Jó, Moisés, David, Ana, Esther, Noemi, Maria, Paulo e tantos outros que experimentaram temporais até desembarcarem na “outra margem”?
O lago da Galiléia é abundante em peixes, alguns barquinhos eram conduzidos por pescadores, de perto, de longe, a perder de vista. Todos foram atingidos por ventos e ondas. Quando pensardes que sóis o único a sofrer lembre: “Havia outros barquinhos”. Jesus no comando é que faz a diferença.
Elias pensou que era o único barquinho a ser sacudido pela tempestade: “Só eu fiquei por profeta do Senhor, tem quatrocentos e cinqüenta homens atrás de mim” I Rs 18:22. Ao que Deus respondeu: “Elias, Elias, tem mais barco ai na tempestade, moço!”. Sabe o que me impressiona? È que Deus só fala isto para Elias muito depois de ouvir “só eu fiquei”. Deus não quis acabar com a exclusividade dele de imediato. Este sentimento também é comum em nós e podemos levar algum tempo até descobrirmos que o sofrimento não é uma exclusividade nossa.
O Silêncio de Deus
“Mestre não se te dá que pereçamos”? Em outras palavras: não vais fazer nada? Será que não estás vendo? Acaba logo com esse sofrimento! A reação dos discípulos é tipicamente humana e alheia ao conhecimento de Deus. É imediatista centrada nas emoções: frio, medo, barulho das águas, desconhecido.
“Ó Deus, não fiques em silêncio! Não cerres os ouvidos nem fiques impassível, ó Deus” Sl 83:1.
É importante dizer que além do processo de cura e crescimento proporcionados pelas tempestades da vida, existe também o sofrimento causado pelo pecado, pelo nosso silêncio em relação a Deus: Não nos arrependemos, confessamos, ou O obedecemos. Por tudo isso, não conseguimos ouvi-Lo. Não é que Ele tenha nos deixado, nós é que nos distanciamos de tal forma que não reconhecemos Sua voz.
Davi viveu momentos de profunda comunhão com Deus. Inspirado, criou Salmos belíssimos. Foi uma líder profeta para as nações. Mas quando mandou matar Urias para ficar com Bate-Seba experimentou o silêncio dos céus, jejuou e chorou para que o filho não morresse, mas não foi atendido: “Quem sabe se Deus se compadecerá de mim, e viverá a criança” A criança morreu (II Sm 12:22). Um barco, no meio do lago da Galiléia, sacudido pelo temporal.
Até que ele despertou Jesus com a sua adoração, arrependimento e confissão: “Tem misericórdia de mim ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias” Sl 51:1. Davi chegou à outra margem do lago e foi agraciado com o nascimento do filho Salomão – aquele que tem paz - o salmista viu no filho uma nova época em que reinaria paz, bonança.
O silêncio de Deus é algo angustiante para os que O amam, mas representa apenas uma pausa em Sua voz, um intervalo entre noite e dia, entre uma margem à outra do lago.
O Poder da Palavra
Jesus é O Verbo, A Palavra (Jo 1:1) que transformada em carne veio ao mundo para dizer aos homens que tudo é possível ao que crê (Mc 9:23). Não existe nenhum sistema, religião, filosofia ou o que quer que seja criado pelos homens que se equipare a supremacia das Escrituras. Certo homem estava com o criado doente e aproximando-se de Jesus suplicou: “Dize só uma palavra e meu criado sarará” Mt 8:8 Uma só palavra tem poder de mover o céu. Um soldado americano testemunhou para a imprensa mundial que sobreviveu a guerra e as doenças graças a sua fé em Jesus. Todos os dias eu confessava: “Maior é o que está em mim do que o que está no mundo” I João 4:4
Enquanto não agimos confiantes na Palavra, Ela dorme para nós. Se a fé vem pelo ouvir Rm 10:17, é necessário que atentemos para Ela a fim de trazer à existência aquilo que ainda não existe (Hb 11:1). O milagre, não é um mérito humano, mas Divino. Agora, o objeto do milagre, precisa está revestido de fé, é a porção divina que lhe cabe. Ou seja, o homem nada é sem a Palavra e a Palavra não opera sem a fé do homem. Deus fez dessa forma para que a Ele fosse concedida toda a glória.
Jesus Dorme
Mas tem a direção do barco. Nele podemos descansar. Se deixamos a multidão para navegar com Jesus, saibamos que certamente Ele nos levará para a outra margem. Um lugar onde a bonança será fruto do nosso crescimento e experiência com Deus. Nas águas profundas, na intensidade da comunhão, haverá dor - Ele nos molda nas revoltas águas. Ensina-nos a confiar, a perceber Sua presença ainda que silenciosa. Em qualquer situação adversa enfrentada sempre haverá “outros barquinhos”, sinalizando que você não é o único e nem está sozinho no meio do lago. Outros barquinhos podem até ir a pique ou mesmo desistir de prosseguir, mas se você está com Cristo, Ele te anima a chegar à outra margem.
Ventania espalha sementes, mobiliza sensações desagradáveis, mas é preciso acreditar que Ele tem o leme, e Sua voz chegará na hora certa para “aquietar o vento e calar as águas”. As sementes cairão em outros “barquinhos” e germinarão pela voz do Mestre. Sim, os tripulantes de outras embarcações perceberão de onde vem a poderosa voz e serão atraídos. No meio do lago, sejamos socorro. Ao desembarcar na outra margem, sejamos benção.
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